Comunicações inscritas

Mesa de Comunicações n.1

Drummond e a vanguarda do Prata 
Joaquín Correa (UFSC)

“Modos de ver” se chamou um texto breve de Ricardo Piglia, aparecido em novembro de 2001 no vigésimo volume da coleção auspiciada pelo Banco Velox. Abordando a pintura argentina do período 1810 – 2000, o texto recuperava uma cena de Idle days in Patagonia, de William H. Hudson que, denominada “la lección óptica”, podia ser “el comienzo de una historia de la pintura argentina” ou, quanto menos, “una historia de la percepción y del espíritu de vanguardia” (2001, p. 5). Na cena narrada por aquele escritor do entre-lugar que foi Hudson, Piglia lê duas manifestações do mesmo antagonismo, seja o conflito civilização – barbárie, seja a relação do centro com a periferia, onde se discute para definir “qué es ver y quién ve bien” e como, ou desde que perspectiva, se configura o real e o seu estatuto. Será no gesto do gaucho de ir até a carruagem para, no toque, verificar a realidade daquilo que estava enxergando pela primeira vez, e não na briga oral da payada nem na resolução posterior do conflito, onde Piglia encontra cifrada uma variação da percepção a partir da distância e da perspectiva, fundamentos da estética do limite que, conforme ele, definem a escritura periférica do Sul e, especialmente e sobre todo, das suas vanguardas. E será, também, a partir dessa cena de Hudson que Piglia introduz a vanguarda abstrata argentina. O capítulo de Idle days in Patagonia, onde aparecia aquela cena, lembra e remarca Piglia, se chamava “Sight in Savages”. A vanguarda abstrata será vanguardista, sobretudo, pela sua radicalidade e insistência na proposta de um outro modo de ver ou, talvez, de um modo de ver outro. Um modo de ver periférico: “Sin la mediación europea, sin su enseñanza y sus instrumentos, el salvaje no puede ver. La vanguardia periférica, si se me permite hablar así, ha discutido siempre la verdad (y la prioridad) de esa mirada colonial” (2001, p. 6). Agónico e definitivo e seguindo o modo borgeano de afirmar nos parêntesis, Piglia acabava por fim concluindo: “(Se es de vanguardia porque se está en el borde del desierto y se ve demasiado tarde o demasiado pronto lo que se viene)” (2001, p. 6).
A vanguarda que menciona e descreve Piglia é a inaugurada pela revista Arturo no verão portenho de 1944. Duas serão suas vertentes diretas e imediatamente posteriores: MADI e Arte Concreto Invención. Do último grupo sairá o núcleo fundamental da revista Poesía Buenos Aires, fundamental para pensar as configurações da poesia argentina do resto de século XX. Se em Arturo aparecia traduzido Murilo Mendes, em PBA o fará Drummond. Mas essa não é a sua primeira aparição na constelação da arte abstrata ou não figurativa do Prata: antes, em 1947 e na revista Joaquim de Curitiba, Drummund publica um texto intitulado “Invencionismo” onde se debruça sobre os acontecimentos artísticos portenhos de vanguarda. Os limites do deserto do Prata, assim, são ampliados e o Brasil entra no jogo da arte não representativa, não figurativa ou abstrata. O intuito do presente trabalho é situar essa intervenção de Drummond na constelação Arturo para começar a situar uma constelação ainda pouco explorada.
Palavras-chave: Arturo; Drummond; Invencionismo

Entre bois e tempos: o duplo da poesia em Drummond
Fernanda Zrzebiela (UFSC)

Se podemos considerar grosseiramente a poesia moderna pela adoção de uma consciência necessariamente problemática do mundo, somos levados a admitir que o "meio do caminho" como lugar sugestivo de sua afirmação não poderia, ironicamente, ser mais preciso. Não se trata de poesia como ato puro de linguagem, nem de poesia como expressão de conteúdos sociais ou ideias políticas: colocado a meio caminho dessa dupla articulação, fraturado entre essas duas impossibilidades, o canto se cumpre justamente no espaço daquela indecidibilidade de que fala Blanchot e também Derrida. Quando se aplica tal reflexão a uma poesia como a de Carlos Drummond de Andrade, somos levados a pensá-la para a além das contingências históricas que a categorizam, logo de imediato, como "poesia moderna". Pela leitura que ora se propõe, parte-se da recepção crítica de Boitempo como obra “reconciliatória”, com o intuito de se repensar o caminho duplo pelo qual se afirma o seu fazer poético, oscilando entre morte e renovação, dissolução e transformação. Isto implica considerar a particular ambivalência de um sujeito aprisionado entre o que se dissipa e o que fica - a desconfiança em relação ao lirismo herdado também se inclui aqui - , substancialmente dividido entre uma unidade que não o contém e uma multiplicidade que o dispersa. Assistimos, então, a uma espécie de alternância entre dissolução e permanência, duplo motor que move seu fazer poético. Permanência, contudo, não do ficou, mas daquilo que conseguiu triunfar ou sobreviver à História. Na situação aporética exemplarmente drummondiana de um constante choque entre os dois opostos, sem que se alcance a síntese e sem que se consiga viver com a contradição, evidencia-se, pois, a opção formal de uma tensão insolúvel própria do indivíduo moderno, posto em sua ambivalência no lugar do meio, entre mostrar-se e negar a valia de fazê-lo, entre o patriarcal e o burguês, entre o arcaico e o moderno, entre o apego à tradição e a ruptura moderna. Ainda que em Boitempo se mostre mais evidente o trabalho de reconciliação, de reunião dos restos, cacos e fragmentos num todo coerente, não se pode afirmar que se alcance, de fato, a síntese, pois que a saída do impasse só é possível no pretérito imperfeito. Da impossibilidade de síntese, contudo, é que se afirma a própria a poesia: pelo aprendizado da travessia que se realiza na oscilação das duas estâncias que movem o indivíduo – dissolução e transformação, ruptura e retorno - , é que se abre a própria possibilidade poética.
Palavras-chave: Carlos Drummond de Andrade; Boitempo; Memória
  
Um poema inédito de Drummond? E novas soluções
Samanta Maia (UFSC)

Já quase em 1970, um Drummond mais maduro publicava, em jornal, um longo poema, o qual era acompanhado de uma espécie de manual de instrução, que deveria servir de guia de leitura ao leitor desocupado de domingo. As breves linhas instrutivas que acompanham o texto permitem entrever a sua aproximação com as cruzadinhas e exercícios de adivinhas tradicionais em jornais e revistas. Como de praxe, sucedem o poema as soluções do “passatempo”. O poeta oferece duas “soluções” para o poema, e, desse modo, consegue colocar em evidência o seu procedimento de composição: imagens como a de satã de guarda-chuva amarelo e da aranha nua e tímida são, na verdade, resultado de uma combinação de versos de vários autores. A proposta desta comunicação é explorar as possibilidades que essa publicação de Drummond oferece: a começar pelo caráter de “inédito” do poema, que pode ser afirmado (com base na verificação dos livros individuais e edições de poesias completas) ou negado (conforme predisposição do próprio Drummond), e do consequente debate em torno da questão da autoria, que é “resolvida” de dois modos pelo poeta. Ambas possibilidades são entremeadas pela discussão sobre a “autoridade autoral” (expressão que não é redundante) dos versos de escritores canônicos que compõem o texto e pela discussão sobre a legitimidade do processo e do resultado de determinada forma de composição. O fato de se tratar de um modo de composição pouco característico da produção poética - embora movimentos artísticos como o Dadaísmo tenham apresentado técnicas fragmentadoras muito semelhantes, como o readymade - contribui com a condição de degeneração para a qual o é relegado o poema. Tal condição impede que o leitor, e o próprio Drummond, encontrem outras maneiras de significar o texto, ignorando que o que também pode dar sentido aos elementos textuais é a função que eles cumprem num arranjo, e não apenas a matéria de que eles são feitos. Por fim, propõe-se pelo menos uma terceira solução ao poema-passatempo: a autoria de Drummond.
Palavras-chave: Autoria; Carlos Drummond de Andrade; Poesia.
  
Muitas rosas e um enigma a partir de "O relógio do rosário"
Filipe Manzoni (UFSC)
Muito já foi dito a respeito da persistência da imagem da rosa na poética de Carlos Drummond de Andrade como um verdadeiro entrecruzamento dos mais diversos temas da obra do poeta mineiro, desde sua divisão em duas vertentes em A rosa do povo – uma marcada pelo engajamento político e pelo contato, em contraste com outra, marcadamente mais íntima e introspectiva, imprópria ao contato com os convivas – até sua vinculação a emblemas clássicos do cristianismo bem como da simbologia gnóstica. No que toca Claro enigma, a crítica ressaltou diversas vezes (com a exceção do importante estudo de Vagner Camilo) um diagnóstico de que a rosa que persistiria parecia ter sido a que resiste como emblema da frustração dos ideais – o “legado”. em Claro enigma, seria a pedra do caminho e não o sonho aberto “como uma flor” que se revela “apenas sonho e falso” – e não a do engajamento político tão pungente na obra de Drummond até então. Caberia, porém, uma ressalva quanto a figuração da rosa no poema que fecha a obra, “O Relógio do Rosário” – francamente prejudicado na fortuna crítica de Drummond frente ao seu companheiro de bloco, “A máquina do mundo” –, no qual o poeta parece por em perspectiva algumas das mesmas imagens de contato que abundavam em A rosa do povo mais do que operar pelo isolamento que predomina em Claro enigma. Nossa hipótese, nesse sentido, é a de que “Relógio do Rosário”, além de apresentar um cenário possível para relermos diversas das linhas de força recorrentemente associadas à poesia de Drummond – a retomada da infância mineira na figura da Catedral Nossa Senhora do Rosário de Itabira, a oscilação entre uma “dor individual” e um gesto político de contato com o outro ou ainda o tom meditativo que explica sua inserção no bloco “Tentativa de exploração e interpretação do estar-no-mundo” em sua Antologia poética em 1962 – nos permite ler uma ponte possível entre dois momentos frequentemente separados na fortuna crítica de Drummond: as imagens da rosa e a máquina do mundo. É, nesse sentido, para o relógio, propriamente dito, da Igreja do Rosário que o poeta levanta os olhos ao fim da tarde, imediatamente após tê-los baixado frente a maquina do mundo, de maneira que nos interessa observar como esse gesto de “baixar os olhos” (que, por si só, parece possuir uma fortuna crítica autônoma dentro dos estudos de Drummond) parece, em geral ser lido desvinculado de sua contrapartida no poema final de Claro Enigma. Propomos, assim, uma leitura do poema de fechamento de Claro enigma como maneira de resituar grande parte dos impasses que o livro ofereceu à crítica drummondiana, bem como ler uma possibilidade de alternativa ao célebre “baixar os olhos” como ponto fulcral da obra do poeta.
Palavras-chave: "Relógio do Rosário"; Claro Enigma; A Rosa do Povo.

Mesa de Comunicações n.2:

Dualidades e aparentes contradições na poesia de Carlos Drummond de Andrade
Julia Schutz (UFSC)

Fruto de leituras e discussões em seminários internos do Núcleo de Estudos Literários & Culturais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) sobre a obra completa de Carlos Drummond de Andrade, esta apresentação procura traçar um paralelo entre dois poemas — “Os ombros suportam o mundo”, presente no livro Sentimento do Mundo (1940), e “Mas viveremos”, publicado no livro A Rosa do Povo (1945). A partir da análise de ambos os poemas é possível refletir sobre a aparente contradição e dualidade drummondianas, sendo não uma problemática exclusiva de um livro, mas que perpassa muitas de suas obras e demonstra o amadurecimento da voz do poeta. Há, assim, a coexistência do pessimismo e do otimismo, a vida e a morte sendo faces da mesma moeda e o sofrimento anestesiado, que beira a indiferença, efeito de experiências coletivas (as experiências do/no mundo) e individuais (as experiências do poeta) modernas, contrastivas em suas dimensões. Tais poemas, de certa maneira, se espelham não somente por evidenciarem essa suposta contradição, mas também no uso de determinadas imagens que revelam um procedimento de mobilização de um eixo temático que alude à possibilidade do “sim” ao lado do “não” por meio da palavra, na poesia. Fazem parte desse procedimento representações da solidão, da guerra, da morte, da libertação dos homens e da palavra, da dor, da dificuldade em falar, chorar e amar, ao lado da ideia de que, ainda sim, é possível suportar o “peso do mundo” e continuar vivendo. Para além disso, é igualmente possível traçar uma linha do tempo nos poemas, visto que eles trazem imagens do passado, do presente e, ainda, do futuro, numa ponderação sobre uma constante passagem, não só ela historicizada por fatos externos, mas também refletida no eu que enuncia, demonstrando, de alguma maneira, certa transição do poeta.
Palavras-chave: Drummond; poesia; dualidades.


Canto órfico ou a poética das imagens
Gustavo Osório (UFSC)
O presente trabalho tenta por meio de uma aproximação crítica do poema Canto Órfico (1954)de Carlos Drummond de Andrade, estabelecer uma ponte interpretativa com a revista Colombiana Mito(1955), revista cultural e literária (à qual ele pertenceu e contribuiu como membro do comitê editorial) e assim apresentar uma cena de leitura que estabeleça relações e concomitâncias estéticas, a maneira de dialogo construtivo, não só com o suplemento senão também fazer uma leitura constelacional de diversas poéticas modernas, presentes em outras publicações ou revistas como é o caso da revista cubana Orígenes (1944) dirigida por Lezama Lima, quem aponta por meio do imaginário poético Paulvaleriano uma convergência destas diferentes poéticas que empregam o uso da imagem como ferramenta chave à hora de criar suas artes literárias, que embora distantes no tempo e no espaço e tenham diferencias criativas e certo distanciamento poético, colocam a imagem no centro do seu cosmos de criação e coincidem sintomaticamente nas suas propostas estéticas que, diversas, potenciam uma fértil análise e uma leitura que coloca em questão o devir da poética latino-americana (pensando o Brasil junto) como um frutífero cenário de critica e debate, pensando o literário como um espaço onde se entrecruzam e geram-se uma amalgama de sentidos presentes na poesia.
No texto se indaga a noção de mito presentes tanto no poema quanto na revista do mesmo nome, por sua vez, se estabelece um paralelo com a revista cubana Origenes, sublinhando os pontos de encontro,interseções da poesia brasileira, a cubana e a proposta estética da revista colombiana; para isto se faz uso das propostas teóricas de Roland Barthes no seu texto Mitologias (2003) e em Lettura del «Bateau ivre» di Rimbaud (1996) Onde Furio Jesi faz a introdução e apresenta sua noção de maquina mitológica. Por sua vez a traves de Lezama se questiona a idéia de imagem que pode nos cutucar na poesia, por meio da sua força visual

A escrita a partir da pedra
Rodrigo Brasil (UFSC)

No meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho. Mas isso nunca foi obstáculo para Drummond escrever sua poesia. Pelo contrário, podemos mesmo pensar que essa consciência crítica do poeta sobre as dificuldades e vicissitudes da condição humana e da criação artística foi a pedra de toque ou a pedra fundamental que lhe permitiu, desde o seu primeiro livro, Alguma Poesia, publicado 1930, escrever com agudeza e radicalidade, em consonância com os paradigmas da modernidade.
Antonio Candido identifica uma inquietude constante na poesia de Drummond, em que a força dos problemas (ou dos temas) é tão intensa que o poema parece crescer e organizar-se em torno deles, como arquitetura que os projeta.
Drummond tem consciência de que nossa relação com o mundo é mediada pela subjetividade e pela linguagem. Esse percurso entre o eu e as coisas se tornou ainda mais problemático na modernidade, em que se instaurou a chamada “crise da representação”, problematização em torno do vínculo entre os signos e a realidade, a palavra e as coisas, o significante e o significado. Pode-se pensar que essa desconfiança crítica, que remonta ao século XIX, no início da Idade Moderna, está na origem do caráter moderno da arte.
Nessa perspectivas as palavras se tornaram símbolos ambíguos e pouco confiáveis. “Vivemos dentro da linguagem como aspiramos o ar poluído”, observa Guy-Ernst Debord. Um poeta que hoje não demonstre em seu trabalho a questão da representação devidamente problematizada e tensionada está sujeito a parecer alheio às questões de seu tempo. Em sua dureza de pedra, Drummond parece considerar o obstáculo e a inadequação como características da própria condição humana (e social). Segundo observa Candido, a sociedade oferece ao poeta obstáculos que impedem a plenitude dos atos e dos sentimentos. As relações humanas parecem para ele dispor-se num mundo igualmente torto. O indivíduo sente-se desajustado na sociedade, que o condiciona e da qual não consegue escapar. A pedra no caminho pode sugerir uma subjetividade que enfrenta o problema de estar separado do mundo, e a pedra em questão representa uma barreira entre a subjetividade e a realidade objetiva do mundo que nos cerca. Essa condição se agrava ainda mais porque a poesia é feita de palavras, que são capazes de representar o mundo, mas não de romper a distinção que as palavras guardam com as coisas. A palavra não é a coisa, mas representa as coisas; a insuficiência da palavra para ser a coisa pode ser vista como uma pedra no caminho. Mas ao alcançar o estado de poesia a palavra se torna uma coisa nova, ainda em relação com o mundo, mas não submetido a ele. A poesia é, portanto, uma força e um campo de conhecimento. Ele não se limita a representar o mundo, ele inaugura seu próprio mundo, a partir do poema.
Palavras-chave: Carlos Drummond de Andrade; crise da representação; modernidade.


A perspectiva das guerras segundo Goya, Picasso, Delacroix e Drummond
Claudineia Aparecida do Nascimento (UEM)

Este trabalho tem por objetivo apresentar resultados de análises de diferentes linguagens verbal e não-verbal e identificar as marcas que justifiquem os intertextos, bem como, analisar os aspectos dialógicos entre as telas e os poemas que confluem para a temática da guerra, observando seus diferentes períodos e contextos históricos. A primeira tela analisada será A liberdade guiando o povo, de Delacroix, que tem como contexto histórico A Revolução de Julho de 1830; a segunda, será O fuzilamento em 3 de maio , de Goya, está tem como pano de fundo a Revolução Espanhola de 1808; já a terceira, intitulada Guernica, é a famosa obra de Picasso, inspirada na Guerra Civil Espanhola. Fortalecendo a temática escolhida, em outra linguagem, destacamos os poemas Cidade prevista e Telegrama de Moscou, ambos do livro A Rosa do Povo, de Carlos Drummond de Andrade. Estabelecer as relações entre os impactos provocados pelas guerras e a postura ética de resistência e utopia, explicitamente marcadas nas diferentes linguagens, é necessário para a melhor compreensão das obras aqui selecionadas. A linha de trabalho procederá pela investigação das guerras, classes sociais, fenômenos ou fatos, com vistas a ressaltar as diferenças e similaridades entre esses elementos envolvidos com o contexto de cada uma das obras. A fundamentação teórica terá como ponto de partida a linguagem como processo de interação verbal, postulada por Bakhtin. Para as análises, utilizaremos os estudos de Candido (1993) e Bosi (1977) e (2000).

Mesa de Comunicações n.3:

Retrato empoeirado: a fragilidade da fotografia como registro da memória em "Retrato de família" de Carlos Drummond de Andrade
Mariane Pereira Rocha (UFPel)

Este trabalho se propõe a estabelecer uma reflexão sobre a possibilidade de diálogo da fotografia com a poesia em Carlos Drummond de Andrade. Entendendo a fotografia como fenômeno multifacetado que pode se apresentar em diferentes formas, mobilizando diversas técnicas e linguagens, bem como possuir inúmeros usos sociais e culturais (desde registro mimético e documental da realidade a uma forma de criação artística já inquestionavelmente reconhecida), nesta pesquisa nos deteremos na fotografia como dispositivo que propicia capturar e fixar o tempo passado. Com o apoio do pensamento de Benjamin, Barthes e Sontag acerca da linguagem fotográfica, que apontam para uma problematização dessa captura e fixação da memória, analisamos o poema “Retrato de família” de A rosa do povo (1945) a fim de entender de que modo o poema se apropria da linguagem fotográfica e de seus usos culturais. Nossa proposta de investigação é a de que nesse poema a referência à fotografia tem por efeito subverter o discurso normalmente associado ao uso cultural dos álbuns de família, qual seja, a crença da qual nunca se desconfia de que a foto “preserva” o passado de forma fidedigna, de modo a se poder recuperar aquele tempo passado intacto, posto que fixado na imagem fotográfica. Drummond, na contramão desse discurso, lança um olhar desconfiado sobre essa promessa da fotografia, apresentando-a como um arquivo frágil e, assim como os demais arquivos que têm como função o registro da memória, falível. O poeta vislumbra no retrato empoeirado da família justamente a impossibilidade de a fotografia dar conta das lembranças do passado: as “viagens que os tios fizeram” ou o “quanto de dinheiro o pai ganhou” emergem no presente de quem olha a fotografia como imagens de um passado deteriorado pelo próprio tempo. Isto posto, acreditamos que a apropriação da fotografia pela lírica drummondiana pode ser estendida para a discussão das funções do lembrar e do esquecer, dos dispositivos da memória e dos sentidos do arquivo.

Drummond e o seu papel no espetáculo teatral "Ser Minas tão Gerais"
Amanda Guimarães Tito (UFES)

O presente trabalho é parte do desenvolvimento de uma dissertação de mestrado que investiga a contribuição da poética literária de Carlos Drummond de Andrade para a construção cênica do espetáculo musical Ser Minas Tão Gerais, montado pelo grupo teatral Ponto de Partida, da mesma terra natal do poeta - Minas Gerais.
A partir deste estudo, é possível identificar claramente no musical Ser Minas Tão Gerais, certos poemas de Drummond atuando como condutores da narrativa e, outros, como elementos dramatúrgicos em cena, nos signos e em seus próprios versos recitados por atores-cantores, o que evidencia o papel fundamental de determinadas obras de Drummond para a construção cênica desta peça musical.
Foi utilizado como instrumento do objeto de estudo o conteúdo audiovisual em DVD – comercializado pelo grupo teatral e que é produto da gravação de uma apresentação deste espetáculo ocorrido em Belo Horizonte no ano de 2004. Por meio dele, foi iniciado o trabalho de observação e análise do espetáculo gravado, para o desenvolvimento da pesquisa. As Obras Drummonianas presentes no espetáculo Ser Minas Tão Gerais são analisadas e confrontadas pela forma em que são transpostas em signos e representadas dramaticamente, tendo os estudos semiótico e dramatúrgico como importantes referenciais teóricos. Além disso, os versos e fragmentos de poemas de Drummond unem-se aos das lavadeiras do Vale do Jequitinhonha, dando liberdade e inspirando sapateados, congadas, catiras e samba no pé, misturados aos arranjos vocais sofisticados e a meras folhas de jornal que se transformam em igrejas, rios, casas... “Cidadezinha qualquer”, “Uma pedra no meio do caminho”, “Canção para ninar mulher”, “O amor bate na aorta”, “O vôo sobre as igrejas” são alguns dos poemas que resgatam a memória de um povo, aliados a músicas do também mineiro “Milton Nascimento”, como a “Canção amiga”, que o cantor criou inspirado no poema de Drummond. A poética e as memórias de Drummond, por meio do espetáculo “Ser Minas tão Gerais”, já alcançou mais de 40 mil pessoas, em todo o país, e também alcançou o Théâtre des Chamos Élysées, em Paris, onde foi lançado o DVD do presente musical.
Palavras-chave: teatro brasileiro; Drummond; Ser Minas tão Gerais

Imagens da figura feminina na poética de Carlos Drummond de Andrade
Júnia Laise Scheunemann Engel (UNOCHAPECÓ)

Atualmente, tem-se discutido muito a respeito do papel da mulher na sociedade, a busca pela emancipação, bem como sua mudança de comportamento ao longo dos tempos, tais fatos são notados também na literatura. Diante desta temática, o objetivo central do presente trabalho é ler quatro poemas de Carlos Drummond de Andrade, a fim de conhecer como se constitui a imagem da figura feminina nesses textos. Bem como, a partir da história da literatura, recobraremos as diferentes configurações da mulher. Drummond ocupa lugar de destaque na Literatura Brasileira, a qual legou uma extensa produção marcada pela magnitude intelectual e riqueza humana. Devido a universalidade de sua poesia, seus textos continuam presentes em nosso cotidiano, razão essa que merecem um estudo mais atento. A pesquisa foi feita a partir de um levantamento bibliográfico e análise dos seguintes poemas: Iniciação Amorosa (Alguma Poesia - 1930), Cabaré Mineiro (Alguma Poesia- 1930), Desdobramentos de Adalgisa (Brejo das Almas - 1934) e Caso Pluvioso (Viola de Bolso - 1952) de Carlos Drummond de Andrade.
Palavras-chave: Personagem feminina. Literatura Brasileira. Carlos Drummond de Andrade.

Faraday: precursor da máquina itabirana 
Iran Silveira (UFSC)

O lisboeta Camões, como típico homem de letras do século XVI, tinha bom conhecimento dos avanços científicos de sua época, como a astronomia de Copérnico, por exemplo. O itabirano Drummond, homem de letras do século XX, não tinha tanto interesse por ciências exatas, e daquelas de seu tempo menos ainda, e este é um dos motivos pelos quais os retratos da máquina do mundo dos dois poetas sejam tão diferentes. Ao não aludir a qualquer conceito da Física em seu poema, evitando mesmo descrever a máquina, Drummond envolve o cenário numa aura de mistério. Sabemos apenas que de uma abertura no artefato o eu lírico goza de diversas visões maravilhosas. Se relacionarmos as experiências vistas em uma estrada pedregosa de Minas com experiências então recentes na Física, e que certamente não existiam na época de Camões, poderíamos chegar, por exemplo, a estudos como o do eletromagnetismo, da luminescência e o experimento conhecido como a Gaiola de Faraday. Para isso, estabeleçamos que Drummond adentrou de corpo todo na máquina para ter suas visões, e não que olhou por uma abertura – embora não fique claro no poema se ele entrou ou não entrou nela. O que é claro é que o objeto não emitiu qualquer som “que fosse impuro/ nem um clarão maior que o tolerável”. Dentro da gaiola metálica que o inglês Michael Faraday projetou em 1836, Drummond poderia ter sentado numa cadeira de madeira e recebido uma descarga elétrica, sem, entretanto, a sentir. O fato de que anoitecia poderia explicar as visões, uma vez que no lado de fora da gaiola são emitidas descargas de alta tensão (que visualmente se assemelham a pequenos relâmpagos); e o fenômeno da luminescência, ou radiação luminosa eletromagnética provocada por reações químicas, poderia produzir diversas luzes coloridas. O restante (pontes, edifícios, abstrações) facilmente poderia ter saído da imaginação de um interiorano assustado ou fascinado, da mesma maneira como tantas lendas de seres fantásticos e bolas de fogo foram contadas por pessoas – inclusive mineiras, se deduz – com juras de verdade.
Palavras-chave: Poesia. Física. Folclore.